O Novo Código Florestal, as ações judiciais propostas pela Procuradoria-Geral da República e a insegurança jurídica*

09/04/2013

Com a aprovação da Medida Provisória nº 571 que alterou o texto do Novo Código Florestal (Lei Federal nº 12.651, de 25/05/2012), a Procuradoria-Geral da República (“PGR”) ajuizou, perante o Supremo Tribunal Federal (“STF”), com pedido liminar, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (“ADIs”) de n. 4901, 4902 e 4903 para questionar alguns dispositivos advindos da edição daquele diploma.

A Procuradoria-Geral da República pediu a suspensão da eficácia dos artigos em discussão até o julgamento do mérito das ações, bem como o julgamento das liminares diretamente pelo Plenário do STF em virtude da relevância da matéria, com a aplicação do rito abreviado. Cumpre salientar que, muito embora as ADIs já tenham sido distribuídas, em 04.02.2013 foi proferido despacho que recomendou a reunião dos feitos, sob a relatoria do Ministro Luiz Fux, por prevenção, em razão do disposto no art. 77-B do RISTF (Regimento Interno do Superior Tribunal Federal). Vale ressaltar, contudo, que a referida decisão não enfrentou os pedidos de liminar da autora.

Em linhas gerais, os questionamentos formulados nas ações judiciais descritas acima envolveram dispositivos que tratam da redução da área de Reserva Legal, Áreas de Preservação Permanente (“APPs”) e a anistia daqueles que promoveram a degradação ambiental, conforme será exposto a seguir.

A ADI nº 4901, cuja relatoria permanecerá a cargo do Ministro Luiz Fux, aborda os supostos prejuízos ambientais decorrentes das modificações legislativas, em especial do artigo 12 (parágrafos 4º ao 8º) que dispõe sobre os percentuais destinados à reserva legal, conforme a localização do imóvel rural, ilustrados a seguir: (i) redução pelo Poder Público destas em face da existência de terras indígenas e unidades de conservação no território municipal, localizados na Amazônia Legal e (ii) autorização do cômputo das Áreas de Preservação Permanente no percentual da Reserva Legal.

Cumpre ainda destacar que a ADI em referência aponta a inconstitucionalidade da dispensa de constituição de Reserva Legal nas áreas onde serão instalados empreendimentos de abastecimento público de água, tratamento de esgoto, exploração de energia elétrica e implantação ou ampliação de ferrovias e rodovias, bem como da anistia daqueles que desmataram áreas antes das modificações dos percentuais de reserva legal. A compensação da Reserva Legal independentemente da identidade ecológica entre as áreas e a permissão do plantio de espécies exóticas para recomposição da Reserva Legal também são alvos da ação judicial em tela.

Já a ADI nº 4902, distribuída, num primeiro momento, à ministra Rosa Weber, discute temas relacionados à recuperação de áreas desmatadas, como a anistia de multas e outras medidas que, segundo a PGR, desestimulariam a recomposição da vegetação original. Nessa linha, são questionados: (i) o parágrafo 3º do art. 7º que permitiria novos desmatamentos sem a recuperação daqueles já realizados irregularmente; (ii) o art. 17 que isentaria os agricultores da obrigação de suspender as atividades em áreas onde ocorreu desmatamento irregular antes de 22 de julho de 2008; (iii) o art. 59 por, de acordo com a ação em comento, inserir “uma absurda suspensão das atividades fiscalizatórias do Estado, bem como das medidas legais e administrativas de que o poder público dispõe para exigir dos particulares o cumprimento do dever de preservar o meio ambiente e recuperar os danos causados”; (iv) os artigos 61 e 63 diante da possibilidade de consolidação de danos ambientais decorrentes de infrações anteriores a 22 de julho de 2008.

Por fim, na ADI nº 4903, que em princípio caberia à relatoria do Ministro Gilmar Mendes, é requerido que sejam declarados inconstitucionais os seguintes dispositivos da Lei Federal nº 12.651/12: (i) art. 3º, incisos VIII, alínea “b”, IX, XVII, XIX e parágrafo único; (ii) art. 4º, III, IV, parágrafos 1º, 4º, 5º, 6º; (iii) art. 5º; (iv) art. 8º, parágrafo 2º; (v) art. 11; e (vi) art. 62, sob o fundamento de que “afrontariam” os dispositivos legais na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88, referentes às áreas de preservação permanente, ao regime constante dos espaços territoriais especialmente protegidos e aos deveres fundamentais que são impostos ao Poder Público.

Segundo a PGR, em relação às hipóteses de intervenção antrópica nos casos de atividades de utilidade pública ou interesse social, a nova lei não prevê, de forma explícita, que quaisquer interferências serão admitidas, apenas excepcionalmente, na hipótese de inexistência de alternativa técnica e/ou locacional, exigências essenciais para que não seja descaracterizado o regime de proteção legal dessas áreas. Do mesmo modo, afirma a autora da ação que os dispositivos que permitem a intervenção em APPs para atividades recreativas e gestão de resíduos não se enquadram no caráter excepcional proposto pelo Código. Questiona também a prática da aquicultura nessas áreas e a intervenção nos manguezais e restingas para a implementação de projetos habitacionais onde esses ecossistemas estejam comprometidos.

As ADIs arguem, portanto, a inconstitucionalidade de dispositivos que, segundo entendimento da PGR, estariam em afronta ao princípio da proibição do retrocesso ambiental, configurando, em tese, a violação ao dever geral de proteção ambiental e, claro, ao art. 225 da CRFB/88 e seus incisos.

Diante de todo o exposto e do quanto já se discutiu em relação ao Código Florestal, percebe-se que o assunto está, infelizmente, longe do fim. E quanto mais questões deste quilate têm sua validade questionada judicialmente, maior é a insegurança jurídica gerada na sociedade.

O fato é que tais ações se somam à inúmeras outras, sejam ADIs, sejam Ações Civis Públicas, com reflexos diretos na disposição do empresariado de assumir os riscos de conduzir os investimentos indispensáveis ao crescimento que se almeja para o país.

Vale, de toda sorte, reiterar que não houve, até o momento, o julgamento dos pedidos liminares, de sorte que as disposições do Novo Código Florestal permanecem em pleno e legítimo vigor, cujo respeito e atendimento são obrigatórios.

*Alexandre Oheb Sion, Roberta Paes Leme Bousas, Mariana de Souza Galan